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COMPOSIÇÃO, REPRESENTATIVIDADE E AUTONOMIA: DESAFIOS DO CME
MÁRCIA ALESSANDRA DE SOUZA FERNANDES

Última alteração: 2017-02-23

Resumo


1.Resumo: Apresenta discussão sobre composição e representatividade no Conselho Municipal de Educação, elaborada a partir das reflexões realizadas ao longo da dissertação que analisou as inter-relações estabelecidas nas figurações do Conselho Municipal de Educação de São Mateus-ES (CME/SM), procurando conhecer aspectos relacionados à história, à estrutura, ao funcionamento, à composição e à produção normativa desse órgão a partir da instituição do Sistema Municipal de Educação, em 2004. Neste, destaca um complexo sistema de relações e inter-relações entre conselheiros e poder público, evidenciando um frágil desenho desses colegiados no que se refere à autonomia conselhista.

Palavras-chave: CME; Representatividade; Autonomia.

2. Composição, representatividade e os fios invisíveis

O presente texto remonta nossa pesquisa de mestrado[1] que, num estudo de caso do tipo etnográfico, teve como objetivo analisar as inter-relações estabelecidas nas figurações do Conselho Municipal de Educação de São Mateus/ES (CME/SM), na dinâmica de definição da política local de educação especial. Neste, apresentamos reflexões acerca da composição e representatividade no CME pesquisado, colocando em evidência as linhas quase invisíveis que mantém a paridade entre representação social e estatal um desafio para a autonomia do colegiado.

Para analisar o CME sobre essa perspectiva, apropriamo-nos das elaborações definidas por Norbert Elias (1897-1990), sociólogo alemão de quem utilizamos os conceitos de figuração, interdependência e balança de poder. Na sua concepção, um fenômeno social acontece a partir de uma delicada e quase invisível dinâmica, resultante das relações estabelecidas entre os indivíduos que compõem os grupos sociais, os quais, através de um constante jogo de forças, vão configurando as condições para que o evento aconteça. Nesse contexto, concebemos o CME/SM como uma figuração de indivíduos provenientes de variadas ordens sociais, cujas relações estabelecidas na dinâmica de suas vidas, os tornam inter-relacionados a outras figurações.

Os conselhos de educação são entendidos, pela sua natureza, como coletivos de tomada de decisões, em que o exercício democrático institui novos valores e princípios de cidadania. Bordignon (2009) sugere que a composição do Conselho contemple o sistema de ensino como um todo e lista, para tanto, dirigentes, profissionais da educação, estudantes e seus familiares. Acrescenta que associações comunitárias, conselhos tutelares e outras representações devem ser considerados.

A literatura conselhista por nós utilizada apresenta os CMEs com grandes semelhanças dinâmico-organizacionais. Ainda assim, considerando os indicativos elisianos, tomamos o CME/SM por suas configurações específicas e focalizamos sua composição a fim de tentar visualizar as inter-relações estabelecidas entre seus membros.

3. Inter-relações na representatividade: o pêndulo da balança de poder

Atualmente, o CME/São Mateus compõe-se de duas câmaras: a da Educação Básica com 10 segmentos, sendo 24 conselheiros entre titulares e suplentes; a do Fundeb com 7 segmentos distribuídos entre 20 titulares e seus respectivos suplentes, que são nomeados pelo prefeito. A Tabela 1apresenta os segmentos do Colegiado.


[1] Esta pesquisa está vinculada ao projeto de pesquisa “Políticas de acesso e de permanência de pessoas com deficiência no ensino comum: um estudo comparado de sistemas educativos brasileiros e mexicanos”, financiado pelo CNPq, e coordenado pelos professores: Dr. Reginaldo Celio Sobrinho, Dr. Edson Pantaleão e Drª Maria das Graças Carvalho Silva de Sá, membros do grupo de pesquisa: “Educação Especial: formação de profissionais, práticas pedagógicas e políticas e inclusão escolar”.

 

Tabela 1 – Segmentos Representados no CME/SM – 2015

 

Conselho Municipal de Educação de São Mateus

CEB

Fundeb

Qtd. assento

 

Representações

Qtd.

assento

 

Representações

1

Pedagogo

2

Poder Executivo Municipal

2

Educação básica púbica

1

Professores da Edu. básica pública

1

Pais de alunos da educação básica pública – AECs

 

1

Diretores de escolas básicas públicas

2

Entidades afins

1

Conselho Tutelar

1

Diretores das escolas básicas públicas

2

Pais de alunos da educação básica pública

1

Educação básica pública, indicados pelo Poder Executivo Municipal

2

Estudantes da educação básica pública

1

Estabelecimento particular

 

 

1

 

 

Servidores técnico-administrativos das escolas básicas públicas

1

Alunos do ensino superior

1

Ensino técnico da educação pública

1

Ensino superior da educação pública

Fonte: São Mateus (2015a).

Nota: Dados adaptados pela autora.

 

Abaixo, a situação dos 44 membros do CME, destacando aqueles com vínculo de trabalho com essa Secretaria (Tabela 2).

Tabela 2 – Inter-Relações entre Membros do CME/SM

e a Secretaria Municipal de Educação

 

Conselho Municipal de Educação de São Mateus

CEB

10 segmentos

24 membros

Fundeb

7 segmentos

10 membros

 

Representantes

Vínculo com a Secretaria

 

Representantes

Vínculo com a Secretaria

Pedagogo

X

Poder Executivo Municipal

X

 

Educação básica púbica

 

X

Professores da educação básica pública

 

X

Pais de alunos da educação básica pública – AECs

 

-

Diretores de escolas básicas públicas

 

X

Entidades afins

X

Conselho Tutelar

-

Diretores das escolas básicas públicas

 

X

Pais de alunos da educação básica pública

 

-

Educação básica pública, indicados pelo Poder Executivo Municipal

 

X

Estudantes da educação básica pública

 

-

Estabelecimento particular de ensino

 

-

 

 

Servidores técnico-administrativos das escolas básicas públicas

 

 

 

X

Alunos do ensino superior

X

Ensino técnico da educação pública

-

Ensino superior da educação pública

 

-

Fonte: Documentos do CME.

Nota: Dados adaptados pela autora.

 

O desenho atual mostra-nos que dos 17 segmentos, 10 são ocupados por pessoas que estão vinculadas à Secretaria Municipal de Educação através de alguma relação de trabalho.  Esse aspecto, embora contraditório com relação ao desenho ideal dos conselhos, não está restrito ao CME/SM, conforme evidenciado em outros estudos (FERREIRA, 2006; MARTINIANO, 2010; MOURA, 2010; OLIVEIRA 2011; BASÍLIO, 2012; PEREIRA, 2013; SOUZA, A. S., 2013). A relação de grande dependência do CME com a Secretaria Municipal de Educação, tanto por questões estruturais e de funcionamento quanto por disposição e disponibilidade de pessoas para os trabalhos, acaba por comprometer seu funcionamento, sua autonomia e sua legitimidade. A esse respeito, os apontamentos trazidos no estudo de Martiniano (2010) mostram que a participação no âmbito do CME pesquisado se revela instável, com composição não paritária, em que a maioria dos representantes é do Governo, evidenciando dependência quanto às condições administrativas, financeiras e técnicas.

Na formação analisada, os conselheiros que mais têm participado dos trabalhos do CME são os que têm vínculo empregatício com o governo local. Mais uma vez, a tutela do Estado se mantém, como apontado em outros estudos (FERREIRA, 2006; MARTINIANO, 2010; MOURA, 2010; OLIVEIRA 2011; BASÍLIO, 2012; PEREIRA, 2013; SOUZA, A. S., 2013).

Outro aspecto que merece destaque é o número dos representantes indicados pelo Executivo: 3. Essa situação ganha maior complexidade quando identificamos que os diretores escolares têm assento nas duas câmaras e que a nomeação deles para a função do cargo de diretor não atende a nenhum critério regulamentado, além do aspecto subjetivo e político. Nessa condição, indiretamente, esses diretores também podem ser entendidos como representantes do Executivo.

Num território de cuidados e preocupações permanentes, que pode dar a dimensão e os limites da autonomia, estão os servidores cedidos, os licenciados e os de livre nomeação, como é o caso dos já referidos diretores escolares. São 10 conselheiros. Essa dezena, somada aos seis representantes do Executivo, expressa o total dos que participam mais ativamente das ações do Colegiado, revelando que as atividades do CME/SM ainda são muito tuteladas pelo Poder Público e que o Conselho continua a “produzir para dentro” (CONSELHEIRO RUBENS).

Ainda sobre o atual desenho, é necessário observar que no CME não há diretriz que trate da condição e dos impedimentos para representar algum segmento. Sobre essa situação, há ainda a dificuldade que o CME tem de compor alguns de seus segmentos.

4. Alguns apontamentos

A multiplicidade de formas de ver o mundo e de interpretá-lo impõe ao Conselho a diversidade que deve ter sua composição. Bordignon (2009) sinaliza que, quando predominam as representações do Executivo, seja por vinculação a cargos seja por indicação, o Conselho tende a reproduzir a voz do governo. Por outro lado, quanto mais olhos e pés de outros grupos sociais estiverem representados no Conselho, mais ele, potencialmente, expressará a voz da sociedade. O conjunto de interconexões entre conselheiros e Poder Público, embora natural, revela-nos, nos termos elisianos, as coerções que fazem pender a balança de poder no Colegiado.

5. Referências

BORDIGNON, G. Gestão da educação no município: sistema, conselho e plano. São Paulo: Ed. Paulo Freire, 2009.

 

SÃO MATEUS. Decreto n.º 7.772, de 29 de maio de 2015. Rerratifica o decreto n.º 7.548/2014 que nomeia membros do Conselho Municipal de Educação de São Mateus, estado do Espírito Santo. São Mateus: Gabinete do Prefeito, 2015a.

 

MARTINIANO, M. S. Gestão democrática na educação: a experiência de participação no Conselho Municipal de Educação de Campina Grande-PB (2009-2010). 2010. 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.

 

FERREIRA, A. A. Participação, sociedade civil e capacidade de influenciar políticas sociais: o caso do Conselho Municipal de Educação da Serra (CMES). 2006. 197 f. Dissertação (Mestrado em Política Social) – Programa de Pós-Graduação em Política Social, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006.

 

BASILIO, P. de M. Desafios para a formulação de políticas de educação infantil: um estudo sobre a atuação do Conselho Municipal de Educação de Duque de Caxias. 2012. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

 

MOURA, A. S. de. Democracia, participação e controle social nos conselhos municipais de educação. 2010. 167 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.

 

OLIVEIRA, I. A. de C. O Conselho Municipal de Educação como mecanismo de instituição da gestão democrática: um estudo de caso sobre as articulações do Conselho Municipal de Educação de Maricá. 2011.106 f. (Mestrado em Processos Formativos e Desigualdades Sociais) – Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2011.

 

PEREIRA, S. O Conselho Municipal de Educação como espaço de participação nas decisões educacionais e da democratização da gestão pública do município de Atibaia/SP. 2013. 184 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2013.

 

SOUZA, A. S. Estudo sobre a tomada de decisão no Conselho Municipal de Educação de Mossoró-RN (1997-2010). 2013. 168 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, 2013.